Há dois meses que não vinha aqui.
Estava com medo de encontrar o sofá vazio e de não conseguir enfrentá-lo.
Estava com medo de encontrar o sofá vazio e de não conseguir enfrentá-lo.
(Incrível como um objecto pode causar-nos tanto medo.)
Mas vim.
O Snoopy ladra estridantemente como se não me visse há anos.
A minha avó abraça-me com aquele brilho nos olhos e aquela esperança de um dia me ver chegar acompanhada... diz-me sempre que me vê,
Olha que quem muito escolhe pouco acerta!
Daqui a nada estás passada e ninguém te pega!
Agora que a Tia Isidora se foi embora, sabes que eu não estarei cá muito tempo. Gostava tanto de ver-te feliz...
E eu não consigo ficar chateada.
Muito menos pressionada.
Queria tanto dar-te essa felicidade avó, acredita, mas não é assim. Não se vira a esquina e se esbarra contra o amor da nossa vida, como nos filmes. Cada vez existe menos aquele amor que nos tira o fôlego, que parece que nos mata de dor, que parece que nos eleva ao céu...Já ninguém morre de amor, muito menos vive de amor! Já ninguém se esforça, muito menos luta!
E entretanto entro, com a respiração acelerada.
Vejo um perfil de cabelo branco e de repente penso,
Afinal era um sonho mau, estás aqui. O sofá não está vazio.
- Quem é esta menina, Sanita?
(diminutivo de São e não objecto de dejectos)
- É a minha neta, não te lembras?
- Olá Otília, como está?? Sou a neta, a Cláudia...
- Ahhhh já não te via há tanto tempo....
e irrompe num choro porque a memória já lhe falha.
O envelhecimento constrange-me tanto,
ainda ontem, a D. Otília, amiga da minha avó,
tratava tudo da casa, sempre arranjadinha, sempre arrumadinha, super metódica, dava de comer às netas, ao marido, aos cães, aos pintos, ia à horta, colhia laranjas, apanhava alfarrobas e amêndoas...
e agora a D. Otília, lá porque tem mais cabelos brancos,
já mal se lava, não faz comida, a casa parece um caixote de lixo, não fala às netas, não as reconhece sequer, não tem marido, não sabe o que fala, come e a seguir diz que tem fome porque se esquece que comeu, diz que não lhe deram comida.
Eu olho para a minha mãe e com os olhos pergunto,
"-Mãe... para onde vão as pessoas quando chega ao fim?"
Sentamo-nos à mesa, a resposta não é o mais importante agora.
Olho para o sofá.
Está vazio.
Tu não estás cá.
E percebo,
que não interessa o tempo que passa.
Porque eu continuo a não aceitar a tua partida.
2 comentários:
As memórias misturam-se no meu cérebro ao mesmo tempo que vou lendo o que escreveste. As lágrimas começam a cair, desato num pranto. Não consigo parar de chorar...
Sinto de tão perto, vivo e respiro cada palavra, mas também a realidade dessas emoções e sentimentos.
Ainda hoje não encaro o meu sofá vazio, e com o tempo, essa pergunta "para onde vão as pessoas quando chega ao fim?" não se apagou da minha mente.
Sinto-me inútil perante a realidade da velhice, perante os seus obstáculos monstruosos da não mobilidade. O tempo passa por nós, ou melhor, nós somos uma parte desse tempo, porque ele continua a correr na ausência da nossa presença. Irónico que nasçamos sem saber andar e que com o aproximar do fim as nossas capacidades voltem à estaca zero...
O meu estômago enrola-se como os contorcionistas, só me apetece gritar "não quero mais um sofá vazio"!!!!!!!!!!! Ou será uma cama?!
"Os pés assim inchados não são bom sinal" diz o meu pai.
"O que queres dizer com isso?", pergunto eu.
"Então filha, é sinal que está a chegar o fim. A minha bisavó antes de morrer também tinha assim os pés", diz o meu pai recordando um dos seus sofás vazios...
"Pode ser porque o avô passa muito tempo deitado", digo eu. Olhamos um para o outro, não há palavras!
Não sei para onde vão as pessoas quando chega o fim. Neste momento quero contrariar a ideia da finitude do corpo. Contudo, recordando... recordando "o meu sofá vazio" sinto bem nas profundezas de quem sou que o seu espírito não me deixou.
Talvez seja apenas um truque da minha psyché, uma tentativa de conforto, de colo, para que não me custe tanto o tempo de "outro sofá vazio". Acho que na minha realidade acredito que os corpos padecem, mas os espíritos dos que amei e amo residem perenemente na minha memória.
Custa tanto... Estas pessoas que amamos não nos amam mais nem menos pelo que conseguimos, ou alcançamos. Tal como nós não os amamos mais ou menos por qualquer feito. Amamo-los porque são parte de nós, porque nos educaram, nos vestiram, porque nos acarinharam com os defeitos e as virtudes. Por isso me custa tanto de uns já não poder partilhar o sorriso, ouvir a voz, o riso, inspirar o seu cheiro, e de outros a ideia de perder o contacto com esses sentidos...
Será que realmente alguém aceita essa distância???
Ainda bem que estás presente. Eu também estou.
Beijo
Queria dizer tanta coisa, mas ao mesmo tempo não me sai nada!
É Impossivel ficar indiferente o que acabo de ler,porque mesmo não tendo passado por uma exeperienca dessas, o tal "Sofá vazio" assusta... e muito...
Não sei para onde "vai" quem parte, mas sei onde "fica": NO CORAÇÃO!!
Lugar especial onde jamais alguém será esquecido e será sempre prepétuado com a melhores lembranças!!(Nisso acredito mesmo!)
"Ainda bem que estão presentes!E eu também!" :)
Beijo grande
Ana Cardoso
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