quarta-feira, maio 03, 2006

Sinapse

Estou a aterrar.
Descolei de avião com a intensidade como quem quer viver até ao último minuto...com aquela força impeladora de uma sensação de "soco seco" na barriga e que nos consome até ao osso...Até aos músculos erectores dos pêlos da superfície da pele, contraídos por sinapses induzidas pela tua presença. Sim. A tua presença sempre me sinapsiou. A tua presença sempre me inconformou. Mas nem tu nem ninguém do teu sangue, noticiou.

Guardei o meu segredo num baú como quem não quer desvendar um sonho, porque era arriscado e inaceitável demais saber-se que tu me sinapsiavas e porque, afinal, tu já estavas sinapsiado, mas por um estímulo diferente.

Até que decidiste vir abrir o baú. Naquelas noites em que nenhuma estação antropológica poderia alguma vez prever o teu comportamento humano... Naquelas noites, como em qualquer noite ou dia passados, em que nada, mas mesmo nada, poderia indiciar que te aproximasses de mim... Parabéns. Conseguiste até surpreender o coelho da Páscoa.

Talvez tenhas encontrado uma chave perdida no teu caminho indefinido e tivesses resolvido experimentar na primeira porta...na porta do meu baú, quem sabe à espera de uma saída para a tua condição...ou para a tua "posição", como me disseste ao telefone. Foi aí que descolei sem sequer fazer o "check-in". Quando dei por mim, estava a sobrevoar no meu sonho e era real. Era mesmo real... Mas era. Não o será mais.

(...)

E apesar da segurança falível do check-in (haverá alguma segurança infalível?), fui obrigada a passar pelo detector de metais, e sabes que mais? A tua chave não podia embarcar...Devia ter percebido naquele instante que a resposta para a tua condição, afinal, já estava encontrada. "Maluquice". Não deveria ter acontecido nunca. Sabes que eu acredito que..
as palavras... não as leva o vento. Não podem simplesmente ser soltadas em vão, porque são o nosso código de entendimento interpessoal. É através delas que reagimos, agimos e comandamos as nossas vontades, lutas e receios. É com elas que podemos traduzir ou justificar o nosso comportamento. Sempre interligadas com o comportamento. Porque só por si, podem perfeitamente ser momentâneas e esquecíveis. Como as tuas.

Foi um poço de ar e eu fiquei asfixiada por esse soco tão seco na barriga e parei de respirar.
Por que é que, pela segunda vez, me vieste buscar e abrir o baú à força para eu mostrá-lo a todo o mundo? Porquê? Tantas vezes te perguntei...tão poucas mal me respondeste.

Estou a aterrar agora e tu há muito que recomeçaste.
Não te preocupes. Ninguém saberá. Podes adormecer sossegado.
Ninguém saberá que aquela noite vai fazer, para sempre, parte da minha vida.