domingo, janeiro 25, 2009

Isidora

Começou um ano.
Um novo ano e eu pergunto-me por que me tem faltado a inspiração... viagens e mais viagens,
trabalho e mais trabalho (até pensar que terei casado sem saber, deveria estar a dormir) e depois... tu.

Isidora


Tu, que fazes parte da minha vida e contigo partilhei mimos que sempre fiz questão que tivesses.
Tu, que não tiveste a vida que toda a gente tem.

Tu, que sempre viveste no teu Mundo. O Salazar nunca percebeu que quem não aprendia bem na escola, não era porque não queria, era porque não podia. Encostaram-te ao fundo da sala. Como se fosses incapaz.

E depois ficavas feliz quando escrevia o teu nome e, com a língua de fora tal qual os míudos, tentavas copiar as letras e sorrias quando eu te dizia que estava bem.

Tu, que nunca tiveste filhos, nunca casaste, nunca conheceste o amor da tua vida (seríamos nós? quem precisa de mais desilusões?), que sempre criaste o teu Mundo, quando te zangavas com as nuvens, quando falavas à janela, sózinha, sobre a vida que nunca tiveste, o filho que nunca tiveste... quem via de fora não entendia. Mas para mim não era preciso. Bastava eu entender-te. Bastava quem estava ao pé de ti, gostar de ti, amar-te assim, como és, diferente. Linda. Fotogénica. A minha modelo preferida. Aquela cujo olhar se transformava quando eu apontava a objectiva.

Tu, que sempre foste gulosa, (azeitonas, amêndoas) adoravas, e nós, dávamos-te palmadinhas nas mãos como se fosse pecado tanta ingestão para quem já não aguenta tanto hidrato de carbono, tantos lípidos... sem imaginarmos que se assim gostavas. porque não?

Até ao fim, com prazer, afinal, não somos eternos.


Afinal, não somos eternos.
E eu pensava que sim.

Pelo menos neste mundo.

Porquê?

Por que é que temos de nos relacionar assim, aprofundadamente como se não fôssemos capazes de viver sem certas pessoas, e depois... tudo acaba?

Como se a finitude fosse o preço a pagar pela felicidade partilhada.



Chego ao Hospital e entro em estado de choque:
-Mãe. onde está? (ecoa na minha mente)

A minha mãe, ultrapassa-me e reconhece o que os meus olhos não queriam reconhecer.

Estás a desistir.
Este Mundo já não é o teu.
Não consigo controlar-me...
(eu, que sempre fora uma Madalena, agora percebia o verdadeiro estímulo do saco lacrimal).

Agarro-me a ti.
Faço-te festas.

(e os teus olhos grandes cravam-se nos meus)
E não consigo deixar de mostrar-te que sei que estás a querer desistir.
Ou talvez partir, voluntariamente, porque sabes que já não pertences aqui.

(e o saco lacrimal rebenta)

Dou-te de comer contrariamente ao que as enfermeiras dizem
(que não queres comer),
refilas,
como sempre mostraste nesse teu feitio tão vincado
(és diferente, mas não és parva, a ti, ninguém te engana).
Refilas, mas eu insisto.
Ml a ml, aceitas.
E comes tudo.


Domingo voltamos.
Estou mais forte, mas sabes?
Não consigo aceitar que queres partir.
Dou-te comida.
Engasgas-te como se fosses morrer de asfixia.
Asfixiada de pânico, desisto.
Não quero ser eu a precipitar.

A assistente social liga-me ontem e diz para preparar-me.
A minha mãe hoje liga-me e diz para preparar-me.

Não consigo.

Não.

Agora não.