terça-feira, março 31, 2009

O Sofá



Há dois meses que não vinha aqui.
Estava com medo de encontrar o sofá vazio e de não conseguir enfrentá-lo.
(Incrível como um objecto pode causar-nos tanto medo.)

Mas vim.
O Snoopy ladra estridantemente como se não me visse há anos.
A minha avó abraça-me com aquele brilho nos olhos e aquela esperança de um dia me ver chegar acompanhada... diz-me sempre que me vê,

Olha que quem muito escolhe pouco acerta!
Daqui a nada estás passada e ninguém te pega!
Agora que a Tia Isidora se foi embora, sabes que eu não estarei cá muito tempo. Gostava tanto de ver-te feliz...


E eu não consigo ficar chateada.
Muito menos pressionada.

Queria tanto dar-te essa felicidade avó, acredita, mas não é assim. Não se vira a esquina e se esbarra contra o amor da nossa vida, como nos filmes. Cada vez existe menos aquele amor que nos tira o fôlego, que parece que nos mata de dor, que parece que nos eleva ao céu...Já ninguém morre de amor, muito menos vive de amor! Já ninguém se esforça, muito menos luta!
E entretanto entro, com a respiração acelerada.
Vejo um perfil de cabelo branco e de repente penso,
Afinal era um sonho mau, estás aqui. O sofá não está vazio.

- Quem é esta menina, Sanita?
(diminutivo de São e não objecto de dejectos)
- É a minha neta, não te lembras?
- Olá Otília, como está?? Sou a neta, a Cláudia...
- Ahhhh já não te via há tanto tempo....

e irrompe num choro porque a memória já lhe falha.

O envelhecimento constrange-me tanto,
ainda ontem, a D. Otília, amiga da minha avó,
tratava tudo da casa, sempre arranjadinha, sempre arrumadinha, super metódica, dava de comer às netas, ao marido, aos cães, aos pintos, ia à horta, colhia laranjas, apanhava alfarrobas e amêndoas...
e agora a D. Otília, lá porque tem mais cabelos brancos,
já mal se lava, não faz comida, a casa parece um caixote de lixo, não fala às netas, não as reconhece sequer, não tem marido, não sabe o que fala, come e a seguir diz que tem fome porque se esquece que comeu, diz que não lhe deram comida.

Eu olho para a minha mãe e com os olhos pergunto,
"-Mãe... para onde vão as pessoas quando chega ao fim?"

Sentamo-nos à mesa, a resposta não é o mais importante agora.

Olho para o sofá.
Está vazio.
Tu não estás cá.
E percebo,
que não interessa o tempo que passa.

Porque eu continuo a não aceitar a tua partida.


sábado, março 14, 2009

The Feast of Love



Bradley: Do you think love is a trick for us to make babies, or do you think it's the only reason for everyhting, to do this crazy dream?
Jenny: Which do you believe?
Bradley: The second one.


Glen Hansard and Marketa Irglova for "Falling Slowly" from "Once"
Oscar 2008 : Best Achievement In Music Written For Motion Pictures (Original Song)

I don't know you
But I want you
All the more for that
Words fall through me
And always fool me
And I can't react
And games that never amount
To more than they're meant
Will play themselves out
Take this sinking boat and point it home
We've still got time
Raise your hopeful voice you have a choice
You'll make it now
Falling slowly, eyes that know me
And I can't go back
Moods that take me and erase me
And I'm painted black
You have suffered enough
And warred with yourself
It's time that you won
Take this sinking boat and point it home
We've still got time
Raise your hopeful voice you had a choice
You've made it now
Falling slowly sing your melody
I'll sing along

domingo, março 08, 2009

Mulher



A velha sábia fumava o seu último cigarro do dia quando decidiu contar ao neto como tinha sido a sua juventude. O fumo percorria os sulcos vincados da pele como se procurasse estradas para o destino: a morte.

Fixou-se no olhar profundo e distante do neto e disse-lhe:

- Uma mulher tem de se sentir especial, Mateus. Se a tratas como todas as outras, ela nunca te levará a sério, nem te considerará um homem digno de respeito. Não queiras ser adorado por muitas. Estás a iludir-te. Até podes ficar com a sensação de realização e poder momentâneos. És jovem. É normal sentires-te o Rei do Mundo.
Quando somos jovens pensamos que somos eternos.
Mas um dia, quando olhares para o lado, vais perceber que não conseguiste construir nada suficientemente forte e sustentável. E nesse dia, chorarás como este rio que corre aos nossos pés e lembrar-te-ás das vezes que desperdiçaste porque estavas preocupado demais em espalhar o teu charme pelo Mundo.

Mateus irrompe num soluço barulhento e as lágrimas saem disparadas. Gritam por ajuda. Entre soluços inquietos e um olhar inundado, desabafa:

- Tens razão, avó.
Perdi-a para sempre.

Fogo




"Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira."
Tolstoi

Enquanto houver estrada para andar



Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar


Jorge Palma