quarta-feira, junho 20, 2007

Transeunte Voyeur

Rua Serpa Pinto. (Quem foi Serpa Pinto?) Oficial do exército extinguido em 1900. Acabará um século e começará um outro no qual eu cheguei ao Mundo. Sem me pedirem licença. Sem me rogarem permissão.

Rua Serpa Pinto. (Mas afinal quem foi Serpa Pinto?) Vagueio como uma transeunte voyeur, reparo, reparo... sim, reparo, examino o candeeiro amarelo que ilumina a janela e pergunto-me se o sol chegará a iluminar a minha casa.

Observo outro transeunte que também repara em mim. (Será que é por estar só, também, como eu?) Estava sentado atrás de mim, de olhos postos num livro (que depois se desviaram). Minutos depois, atravessa-se à minha frente. Eu reparo e reconheço. Confirmo a minha memória visual olhando para trás, confirmo se já não estava sentado na cadeira por trás de mim. Não estava. Era ele. Só e com rugas que marcam uma vivência. Que rugas... depressões marcadas por uma força muscular que contraria qualquer fibra elástica da pele... e a parte.

Irreversivelmente.

A parte.

Como se o tempo tivesse expirado. É a apoptose.

Não o culpem por ter rugas. Chega de ostracizar a vetustez, de preconceituar a sapiência. Ninguém tem culpa da pele ceder.

"-Ah! Olha aquela cheia de rugas!" Aquela que se expõe constantemente em revistas cor-de-rosa (sujeita-se a isto, ela)... expõe-se, expõe-se... há alguém que não se expõe? Por acaso vivemos enclausurados longe da convivência social para ficarmos imunes à percepção real dos outros que nos olham? (Dos outros que estão desejosos de nos detectarem fragilidades, para nos apontarem?)

Culpem o velho se ficou velho e não aprendeu.

Culpem o velho se errou e não aprendeu. Se voltou a errar e não aprendeu. (ah, e quem não voltaria a errar, mais uma vez?)

Culpem-lhe se a evolução (sim evolução) para a velhice não se traduz em sabedoria... em inteligência... em partilha altruísta de tudo o que a vida lhe ensinou ou de tudo o que dela quis aprender.

Culpem-lhe se a velhice não se traduziu em complacência.

Vá lá... não lhe culpem pela sua existência.


(Que admiração (esta minha) pela anciania. Que enjoo. Não me consigo calar, parar de escrever sequer.)

2 comentários:

Francisca Cortes disse...

Gostei deste texto, e lembrei-me da tia nos Santos.

Não há mal nenhum em simpatizar com a velhice, eu presumo que aí pertenço à tua equipe.

Depois de reflectir, por causa da conversa sobre a tia, nesse dia festivo de copos e camaradagem (nem sei como consegui pensar nisso àquela hora!) presumo que tanto podemos culpar os velhos ou os novos por errarem, como por ganharem rugas.

O ponto da questão era o facto de ela ter um ar ao vivo diferente de na revista cor-de-rosa. Resultado dos fotoshops e outros programas que tais. Esses comentários são sempre amargos, e presumo que o meu reparo tinha quer ver com o facto de venderem ao mundo e às mulheres, uma pressão temporal que implica uma perfeição que nem nelas existe, e isso faz com que a sua exposição seja falaciosa.

Não é porque as rugas não fazem as pessoas bonitas, pelo contrário, são sinal de VIDA, de uma aprendizagem que marca na pele como na alma, mas são esses mesmos sinais de sabedoria que todos os dias vemos apagar e desvalorizar por pessoas que são tão de carne e osso como nós.

Concordo quando dizes que todos se expõe, mas uns mais que outros, e depende dos motivos. Ai acho que as tias, os vips estarão sempre na berlinda, porque se expõem para vender algo que não são, mas querem a todo o custo defender o ideal de beleza e intemporalidade que desumaniza os seus próprios seres.

Admiro as rugas de quem vive todos os dias sem querer passar ao mundo a ideia de que todos deveriam viver assim. Em que não há rugas, nem tempo, e em que o que se aprende não é para transmitir mas para ocultar e resguardar, pois isso não vende e fragiliza porque humaniza as tias e os vips, fá-los pessoas como nós, e acredito mesmo que há alturas em que queiram ser meras pessoas, mas a exposição a que se colocam diz outra coisa na maioria das vezes.

Reparo assim que aprecio as rugas dos mortais que o são, e que não inundam os outros de sonhos de um deus qualquer que aos 60 anos ainda parece um jovem de 25, mas apenas com o photoshop. Admiro e aprecio as rugas dos nossos avós, dos nossos pais, as nossas. Admiro-as porque eles vivem com elas e não impõem, porque não as apagam, uma vivência que exclua o que os marcou, o que faz deles o que são e de nós o que somos.
Infelizmente, acredito que há quem viva enclausurado num mundo que não é real e que por isso acha que é imune há percepção real de quem os olha. Não só nas revistas, porque apenas temos representações do que cada um quer passar para fora. Claro, depois de ver a nú, olhos nos olhos, acredito ser bem mais difícil ser-se imune há percepção real de quem nos olha. Ainda bem, ainda bem que conseguimos fazê-lo. Afinal, essas revistas têm o poder de conseguir explorar as fragilidades do comum dos mortais por deificar outros comuns mortais. Provavelmente se não os vissemos a nú, iríamos continuar a acreditar que essa perfeição é possível, e tentariamos igualá-la, o que acontece a n pessoas que querem ser magras, altas, loiras, morenas, ser igual a esse deus e a essa deusa, produto de marketing de um qualquer outro produto.

Já estou como o Maurois, o verdadeiro mal da velhice não é o envelhecimento do corpo, mas sim a indiferença da alma que pode surgir!

Beijocas ;)

Anónimo disse...

gostei a pergunta

quem foi Serpa Pinto?

acima de tudo foi um heroi

legou-nos uma obra extraordinária

exemplo de vida

compendio de uma moral de conduta

que incompreensivelmente ningume lê

Como atrevessei a África

peço-lhe que complete a pergunta do seu texto e me reponda.